domingo, 21 de agosto de 2011

O Conto de Lucy

Contos das Quatro
Na última vez que me comuniquei com vocês, contei a história de Emma, a jovem que atraiu a atenção de um psicopata e acabou sendo morta por ele. Seu melhor amigo Paul e a namorada dele, Lara, também foram assassinados.
O assassino Felipe foi preso, mas se matou quatro anos depois com um bilhete que dizia “Eu sou o quarto”. O quarto que ele mesmo matou.
Tenho recebido comentários de que o segundo Conto assustou mais do que o primeiro. Acredito que é pelo fato de os assassinados serem pessoas com nomes e não em geral, como aconteceu com os inocentes descritos no Conto de Nina.
Preparem-se esta noite, pois o medo tornará sua visão embaçada, seus braços se arrepiarão e sua respiração falhará. Depois desta noite, você conseguirá decidir se faz parte das pessoas que têm coragem o suficiente para ultrapassar o horário 4:44 acordadas.

O CONTO DE Lucy


            A neve estava espalhada por todo o local, a casa escura parecia ainda mais aterrorizante em meio aquele dia nublado. Não conseguia imaginar como seria passar a noite sozinha ali. E nem como minha mãe me obrigara a isso.
            Desci de seu carro e olhei para a paisagem. Se o dia não fosse tão assustador, com certeza, seria um lugar lindo. Minha mãe me acompanhou até a porta da enorme casa e me entregou um par de chaves:
            -Eu sei que esse lugar vai te ajudar a se libertar de tudo. Do mundo. Dela.
            Suas mãos seguraram meus ombros e ela me deu um abraço de despedida. Sabia que tudo que estava fazendo era para o meu bem, mas ainda assim, me magoava que ela estivesse partindo sem nem uma lágrima derramar.
            -Eu venho te buscar. Você sabe disso – avisou minha mãe, enquanto entrava em sua Mercedes e voltava para a estrada. Um vento frio percorreu minha espinha, enquanto observava toda a cena.
            Estava abandonada em um lugar totalmente hostil. Ali não pegava internet, nem o sinal de meu celular. Não tinha amigos, nem família. Era apenas uma casa com comida o suficiente para me manter viva pelas próximas quatro semanas.
            Abri a porta e a tranquei imediatamente. Depois daquele acontecimento horrível, nunca mais consegui viver livremente. As janelas sempre eram trancadas antes do anoitecer, as cortinas fechadas, as luzes acesas. Não suportava mais a escuridão.
            Deparei-me com uma estante, onde antes estivera uma TV. Minha mãe a tirara dali, quando decidiu me trazer. Ela queria me afastar completamente do mundo exterior. “Abandone o que mais te machuca” foram suas palavras quando me contou sobre seu plano.

            O telefone estava sem o fio. Tudo muito planejado. Sentei-me em uma das cadeiras da cozinha e olhei por uma das enormes janelas de vidro. A floresta era densa, mas parecia estranhamente acolhedora.
            Percebi que teria muito trabalho para me trancar naquele local, antes que a noite tomasse conta. Levei minhas malas para um dos quartos e tirei todos os livros que nelas estavam guardados, colocando-os organizadamente nas prateleiras disponíveis. 
            Sentei-me novamente, desta vez na beira de minha cama e decidi render-me ao sono. Não valia a pena ficar acordada. Não com uma vida daquelas. Porém, os fatos que me assombravam durante o dia se tornaram pesadelos durante a noite.
            Mona. Ela estava atrás de mim. Corríamos juntas, como em qualquer outro em que estávamos atrasadas para uma festa. Minha melhor amiga era extremamente vaidosa e por isso sempre perdíamos o horário.
            -Lucy, espera! – ela gritou, antes que nós duas pisássemos no meio da faixa de pedestre e o barulho de uma buzina ocupasse meus ouvidos. Senti apenas o choque do carro atingindo meu corpo e a voz desaparecendo dos lábios de Mona.
            Acordei ofegante. Não podia acreditar que revivera toda aquela cena. Vira minha amiga morrer novamente. E sentira a mesma culpa. Ela tentara me impedir de atravessar a rua e, como não voltei me seguiu.
            -Mona, Mona, Mona – o nome saía diversas vezes de minha boca, antes que recuperasse minha calma e pudesse pensar novamente. Minha melhor amiga estava morta. Tinha que me conformar com isso.
            Percebi que a noite caía do lado de fora da janela. Lembrei-me da escuridão daquelas ruas pelo qual passamos. O temor penetrou minha alma e comecei a minha correria para fechar todas as janelas, portas e cortinas.
            Dez minutos depois, estava enclausurada novamente em meu próprio mundo. Peguei um pequeno lanche e subi as escadas, deitando-me em minha cama, com um livro na outra mão.
            O título já me era conhecido. Chama Negra. O favorito de Mona. E o único que eu sempre relia. Virei as páginas em busca dos recadinhos que minha amiga sempre deixava. “Como eu amo o Damen, ele bem que podia voltar ao normal, não é mesmo, Lucy?” foi o primeiro que encontrei.
            As lágrimas começaram a cair de meus olhos quando senti o cheiro de gás vazando. Desci desesperada ao primeiro andar e encontrei o fogão ligado. Corri para desligá-lo, mas parei antes de alcançar meu objetivo. Havia alguém na cozinha. Outra pessoa estava na casa.
            -Ai, amiga. Achei que nunca mais iríamos nos reencontrar – ouvi a voz de Mona e me virei aterrorizada. Ela estava ali, com seu cabelo loiro, sua pele bronzeada e seus olhos que pendiam tanto para a cor laranja.
            -Mona? Você não estava... – as palavras saíam de minha boca, mas minha melhor amiga parecia ser mais rápida:
            -Morta? Ah, não. Como você é ingênua. Eu não morri, querida. Simplesmente, aproveitei-me daquele acidente bobo para fugir. Libertar-me da cidade que tantos chamam de “lar” – uma risada cheia de escárnio saiu de seus lábios vermelhos.
            -Então, você fingiu? Você me deixou passar esses quatro meses, desesperada, acreditando que a culpa era minha? Que eu havia te matado? – não conseguia suportar a ideia de ter sido traída tão firmemente.
            -Sim, sim. Tudo para alcançar meu sonho. E devo contar-lhe, consegui! – ela parecia tão cruel e insensível enquanto revelava algo tão nojento.
            Quando me preparei para retrucar, o fogão explodiu e toda a casa foi tomada por chamas. A fumaça cobriu todos os cômodos. Mona tentou fugir, mas nem mesmo eu consegui.
            Em pouco tempo, minha consciência se esvaiu. Minha respiração parou. Meu coração também. Antes de apagar completamente, escutei apenas Mona dizendo:
            -Desculpe-me. Eu queria apenas que fôssemos livres. Juntas – braços me envolveram e duas melhores amigas sorriram pela última vez.

O Que aconteceu depois
            Apesar de todo o esforço de Mona, nenhuma das duas acabou sobrevivendo para aproveitar a vida livre. A fumaça intoxicou os pulmões de ambas e quando a mãe de Lucy voltou com um mau pressentimento já era tarde demais para salvá-las, porém houve tempo de retirar seus corpos, antes de serem queimados.
             Encontraram os diários de Mona e Lucy. Apenas a primeira sabia sobre todo o plano, enquanto a segunda acreditava fielmente da morte da outra.
            As famílias envolvidas se culparam por prender suas filhas e preferiram cremar os corpos das adolescentes, jogando as cinzas no mar e libertando-as eternamente. Os diários foram queimados, preservando seus segredos.
            Há um boato de que a casa explodiu exatamente às 4:44 e que havia quatro lindos pássaros brancos pousados sobre o telhado. Dizem que até hoje todas as sexta-feira à noite, as luzes da mansão se acendem e o som começa a tocar, como se uma festa estivesse ocorrendo. O que poderia explicar algo assim?

Beijinhos, StarGirlie.

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